quinta-feira, 19 de março de 2009

A Fábula

A Fábula

Era uma vez um planeta mecânico. Existiam árvores e animais selvagens, cidades inteiras banhadas por um grande oceano de águas calmas e claras. A vida parecia tão pacata que fugia a normalidade, certamente não para os habitantes daquele peculiar mundo, tão acostumados ao trivial do dia a dia, mas para mim, que observava tudo de fora, como um mero espectador do acaso.

As pessoas iam e vinham com serenas expressões estampadas em seus rostos bronzeados pelo sol equatorial de verão. Havia construções que variavam, hora com uma arquitetura simples, porém sombrias, hora construídas como verdadeiros frutos de uma peculiar megalomania e estranha obsessão por grandeza, arranha-céus que se perdiam nas nuvens e alcançavam alturas que os pássaros não ousavam atingir.

A fauna e a flora se confundiam por entre uma grande gama de espécies naturais que conviviam harmonicamente, como uma simples canção de criança, escrita pelas mãos de um experiente compositor. Várias eram as espécies de animais que naquele mundo habitavam, algumas ainda conservavam seu lado selvagem, outras tantas, já bem adaptadas ao ambiente humano, estranhamente regulado por uma força superior que parecia manter tudo na mais perfeita ordem, devidamente organizado de maneira impecável.

O dia a dia daquela população formada por semi-robôs era formado por certezas imutáveis, sabia-se de cor e conheciam tudo a respeito de suas origens, de onde vieram, o que eram e onde aquilo tudo iria terminar. Ali, pasmem, adivinhar o futuro não era coisa de mágico, era um hábito, burocrático e sempre igual, na verdade, era mais que isso, era um profissão ensinada nas universidades do saber, como uma simples regra de três.

Naquele estranho mundo, nada fugia a regra, havia nome para tudo e para tudo havia uma explicação, até o pôr do Sol sobre o Mar era um gráfico, onde todos os habitantes podiam enxergar e cultuar, mas ao contrário do que se espera, nenhuma emoção sentiam, eles não viam aquilo como um espetáculo natural, simplesmente decifravam números de uma equação da natureza.

E por falar em emoções, explicá-las não era nada ridículo, havia críticos com seus métodos práticos desenvolvidos com o passar dos tempos e com um certo desdém.

Na verdade, emoções não eram coisas para as quais se prestava muita atenção por ali, não era dado lá muito valor a essas coisas imateriais que deveriam, mas que, na verdade, não se podia sentir. Na realidade, eles não pareciam se importar em não sentir, até por que já estavam cansados de saber o motivo e a razão dos sentimentos.

Não preciso nem mencionar como eles se comportavam acerca dos sentimentos. Amor, ódio, carinho e tristeza, era tudo a mesma coisa, reduzidos a quase nada, fruto de um passado distante, quase esquecido em detrimento das coisas importantes da vida.

Cá pra nós, era tudo muito chato, era tudo tão sensato e até difícil de agüentar, imaginem vocês, saber de cor como tudo começou e como iria terminar, simplesmente, não tinha a menor graça.

Mas de uma hora pra outra, tudo que era tão sólido começou a desabar no final de um século, tudo começou quando alguém, cansado de toda aquela mesmice, primeiramente taxado pejorativamente de sonhador, começou a questionar toda aquela lógica. Queria sentir as emoções à flor da pele, desconhecer o início e ignorar o fim. Logo começaram a aparecer seguidores vindos dos quatro cantos daquele atípico mundo, todos buscavam mais cores, mais amor, muito mais do que eles, pra dizer a verdade, não tinham a exata noção do que poderia ser.

Em meio aquela estranha novidade, que rapidamente ficou conhecida como a revolução das cores, ainda existiam os conservadores que esbravejavam em busca da retomada da normalidade, diziam eles: Queremos lógica! Queremos lógica!

Os adivinhadores de futuro nada podiam fazer, apenas traçavam gráficos mostrando um otimista quadro nas mudanças globais, projetavam que o fim da crise estava próximo e que a normalidade voltaria no final do primeiro trimestre daquele nefasto ano, mas na realidade, suas matemáticas estavam erradas, era a revolução das cores trazendo raios de sol em plena madrugada de sábado, era tudo muito radical.

E assim se fez, como em um piscar de olhos, a lógica mundial mudou radicalmente. As pessoas cheias de dúvidas, já não tinham tanta certeza de suas outrora indubitáveis certezas. O pôr do sol virou espetáculo, podia-se ver no meio das ruas, crianças apontando para as nuvens que passaram a moldurar figuras infantis ainda cortadas pelos arranha-céus, agora já não tão cinzas.

As pessoas, indo e vindo, cruzavam umas pelas outras já não com tanta indiferença, pareciam mais amistosas e amigáveis, elas não tinham mais certeza de suas origens e do que viria pela frente, mas isso, nem de longe, parecia ser um problema. O mundo não era mais aquela equação matemática, onde tudo se encaixava e podia-se conceituar, agora existia luz negra e magia por toda parte. A música arrancava lagrimas, a arte representava a vida, espetáculos despertavam arrepios, o medo, aquele friozinho na barriga era emoção nova que enchia de vida e os corações dos habitantes daquele novo mundo.

Agora os poetas começavam suas obras com a frase: Era uma vez, um planeta humano...