quarta-feira, 9 de setembro de 2009

EDUARDO E MÔNICA

EDUARDO E MÔNICA


Tarde de sábado – 16h – Casa do Eduardo:

O despertador tocava insistentemente aquele doloroso som que diariamente tirava Eduardo dos braços de Morfeu, arrancando-lhe de seus sonhos, trazendo para a dura realidade do dia-a-dia. Para aquele jovem tomado pela preguiça e a vontade de dormir mais um pouco, aquilo parecia um sádico ritual que lentamente o torturava, atirando-lhe de volta no mundo dos acordados.

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar ficou deitado e viu que horas eram. Aquele mesmo despertador apontava que já passara das 16h. Ainda inebriado pelo sono, Eduardo assustou-se com o horário, mas subitamente, lembrou-se que era tarde de sábado e que, devido a farra do dia anterior, dormiu muito mais do que de costume.

Tarde de sábado – 16h – Outro canto da Cidade:

Longe dali, em outro canto da cidade - como disseram - Mônica estava acompanhada de velhos amigos e falavam sobre o último filme de Almodóvar, discutiam alegremente o enredo e a fotografia enquanto tomavam conhaque e assistiam aquele belo fim de tarde no Planalto Central, aguardando o pôr do Sol e o nascer da Lua, acompanhada de suas fiéis companheiras, as estrelas.

Noite de Sábado – 10:03h – Lugar qualquer:

Naquele mesmo sábado à noite, Eduardo e Mônica acabaram se encontrando, foi tudo muito inesperado e pra falar a verdade, podemos até dizer que foi totalmente sem querer.

Eduardo passava distraidamente por entre as cadeiras daquele Bar, um ambiente Cult e alternativo, onde as pessoas andavam despojadas e sem nenhuma formalidade. A Banda formada por jovens Universitários tocava um sucesso do Rock ´n roll nacional dos anos oitenta, um violão de cordas de aço plugado junto de uma guitarra de som distorcido e uma percussão bem no estilo acústico de garagem derramava no ambiente uma música retrô que, acompanhada de uma meia-lua que a vocalista empunhava com aqueles belos cabelos loiros e uma voz rouca, cantando:

“Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar, que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre, sempre acaba...”

Mônica que sentada em umas das mesas, de olhos fechados, acompanhava cantando baixinho a bela música que entrava por seus ouvidos tocando de leve seu coração, trazendo uma saborosa sensação de paz e um gostinho de nostalgia, nem reparou naquele rapaz desengonçado que vinha andando apressadamente em direção ao banheiro.
Eduardo, que andava sem reparar nas pessoas ao lado, cantava aquela mesma música, agora embalado por uma estranha sensação de liberdade que alguns copos de cerveja gelada costuma lhe proporcionar, passou pela mesa onde Mônica estava sentada e alguma coisa lhe roubara a atenção.

Naquele mesmo instante, Eduardo parou e reparou nela. Era Mônica, sentada de olhos fechados, linda, de cabelos soltos, cantando livremente e sem dar a mínima para qualquer pessoa ao seu lado, simplesmente curtindo o momento e o som, aquele indescritível solo de guitarra, livre. Eduardo sentiu um palpitar diferente no coração, não sabia e não teria a pretensão de tentar descrever o que sentira. Naquele instante em que o tempo parecia parar, a música tocava, mas ele já não conseguia ouvir, as pessoas andavam ao seu redor, mas ele já não conseguia ver ou senti-las, o vento soprava, os sentidos se entorpeciam e enquanto sua mente dava voltas dentro daquele segundo mágico, a sensação era que haviam passados dias ou anos, foi eterno.

Naquele momento, Eduardo estava longe da realidade quando a música parou e Mônica abriu os olhos aterrisando de seu voou musical, ainda a tempo de reparar naquele jovem ali parado, olhando fixamente para ela, mas com um olhar perdido em um universo distante, mas colorido, sem dúvidas.

Os olhares se cruzaram. Impossível descrever um momento como esse. Não existem palavras suficientes para tanto ou, se existirem, falta talento e sobra pretensão. O tempo que parecia parado para Eduardo volta a correr de maneira mais acelerada, como que para compensar os momentos de pausa e o tempo perdido. Os momentos que se passaram depois que Mônica abriu os olhos foram bastante constrangedores para Eduardo que, tentando disfarçar o que já era impossível de esconder, passou a andar ainda mais apressado, esbarrando nas pessoas e cadeiras até se perder dos olhos de Mônica.

Aquele estranho espetáculo era único e chamou a atenção de Mônica. Quem seria aquele jovem e por que ele estava ali parado, olhando-lhe fixamente enquanto ela simplesmente curtia o momento, deixou Mônica intrigada. Mais estranho ainda era aquela sensação que sentira no momento em que viu o rapaz. Mônica já não era nenhuma adolescente, estava acostumada com momentos como aquele, mas esse momento e, em especial, aquele rapaz, deixou-lhe inquieta. Mônica pensou, mas não ousaria dizer que sentiu como se uma flecha lhe cravasse o coração, seria demasiadamente piegas e um tanto clichê, não acreditava em contos de fadas.

Enquanto isso, o rapaz perdeu-se na multidão, dobrou a esquina do bar e era impossível tentar segui-lo, ir atrás dele. Os minutos passavam e Mônica olhava fixamente para aquele cantinho onde vira Eduardo pela ultima vez, esperava que ele voltasse, não sabia o porquê daquela estranha sensação, mas não conseguia parar de pensar naquele momento, estranho, mas único.

Noite de Sábado – 10:04h – Banheiro do Bar de um Lugar qualquer:

Eduardo olhava fixamente sua imagem refletida no espelho do banheiro e, espantado com aquele sorriso bobo no rosto, não conseguia parar de pensar naquela menina e naquele momento radical, respirava e tomava coragem para voltar até ela e dizer alguma coisa. Tinha medo de dizer alguma bobagem, sabia que isso aconteceria, era inevitável. Respirou fundo, contou ate três e foi. Com passos firmes fez o caminho inverso, dobrou a esquina do bar e avistou Mônica, que avistou Eduardo, que caminhava decidido em sua direção, alegrou-se e deixou escapar um sorriso. Foi o que faltava para Eduardo se encher de coragem e chegar até ela a tempo de dizer – como era de se esperar - uma bobagem.

Mônica sorriu, era estranha abordagem do rapaz, normalmente teria virado e ido embora, mas não daquela vez. Eduardo e Mônica ficaram ali por horas, simplesmente conversando, muito mesmo pra tentar se conhecer até que um carinha do cursinho do Eduardo aproximou-se e falou de uma festa legal, perfeita para eles que queriam se divertir.

Mas Eduardo estava entusiasmado com a conversa, disse que não ia, não queria sair dali para ir a alguma festa estranha com gente pra lá de esquisita, pra falar a verdade ele já não agüentava mais birita. Mônica riu e quis saber um pouco mais sobre aquele “boyzinho” que tentava impressionar, mas Eduardo já estava meio tonto e só pensava em ir pra casa, apesar da agradável conversa dos recém conhecidos, olhou para o relógio e pensou: São quase duas eu vou me ferrar!

Eduardo e Mônica trocaram telefones, depois telefonaram e decidiram se encontrar. Eduardo sugeriu uma lanchonete perto do Lago Paranoá que tinha um sanduíche de atum com ervas doces e um Milk shake maravilhoso. Mas Mônica falou de um filme novo que tinha estreado no cinema ainda naquela semana, alguma coisa Cult de um tal de Godard. Eduardo não tinha idéia de quem seria aquele rapaz, se seria ator, diretor ou mesmo algum personagem do filme. Pensou, ponderou e decidiu que não seria uma boa idéia sair para um primeiro encontro e assistir um filme que ele não sabia do que se tratava, imaginou que, como de costume, iria acabar falando alguma bobagem e deixar Mônica achando que ele era um completo idiota, ou coisa do gênero.

Tarde de quarta-feira – 17h – Parque da cidade:


Depois de muito insistir, acabaram se encontrando em um parque da cidade. Mônica chegou um pouco mais cedo em sua moto estilo Harley, vestida com uma jaqueta de couro preta, cabelos soltos e ainda chateada por ter perdido o filme que acabou sendo um dos maiores sucessos do aclamado cineasta Francês. Eduardo chegou pouco depois em seu camelo, inseparável meio de transporte que sempre lhe levava para todos os cantos da cidade, uma bicicleta “Caloi 10” que ganhou como prêmio, por ter sido campeão do primeiro campeonato de botão da quadra 213 Sul, em Brasília.

Eduardo, apesar de ter chegado depois de Mônica não estava atrasado, chegou na hora marcada e estranhou os cabelos vermelhos de Mônica, achou melhor não comentar, mas a menina tinha tinta no cabelo. No dia em que se conheceram, era noite e ele não tinha reparado naquele pequeno detalhe. Era diferente, mas como tudo em relação àqueles dois fugia à normalidade, Eduardo logo se acostumou com a idéia e, pra falar a verdade, gostou do que encontrou. Estava parada diante dos seus olhos brilhantes uma mulher peculiar em todos os sentidos.

Eduardo e Mônica se divertiram bastante com aquela conversa que começou no fim de tarde, entrou pela noite e se estendeu até a madrugada, regada por muitas gargalhadas e a certeza de que eles não eram nada parecidos. Só para se ter uma idéia, enquanto Mônica era de Leão, estava no oitavo semestre da faculdade de Medicina e falava perfeitamente alemão, Eduardo tinha dezesseis anos de idade e ainda estava nas aulinhas de Inglês.

Quando o assunto eram as artes, aí era que a diferença saltava aos olhos, Mônica era fissurada pelo que se tem de mais Cult e diversificado no mundo artístico. Falava sem parar sobre as pinturas impressionistas de Van Gogh ou do brasileiríssimo Bandeira, ouvia e até tentava tocar no violão as músicas do Caetano e dos Mutantes, era fã do estilo e da voz da Rita Lee e passava horas sem parar lendo Rimbaud. Enquanto Mônica falava entusiasmada sobre suas preferências artísticas, Eduardo ouvia tudo aquilo pensando que ficava feliz mesmo era assistindo uma boa novela mexicana ou então – pasmem - jogando futebol de botão com seu avô.

Era tudo muito radical. Estranho como duas pessoas completamente diferentes poderiam encaixar assim, tão bem e tão rápido. Naquela tarde não nasceu um relacionamento, mas brotou o amor. Naquele momento, não veio a exata noção do que seria passar juntos todos os dias que lhes faltavam, mas nasceu a vontade de tentar, de encarar o desafio.

Eduardo e Mônica conversavam sobre tudo, trocavam idéias de como as coisas aconteceram no passado, falavam do presente e imaginavam como seria o futuro. Mônica falava coisas sobre o Planalto central, também magia e meditação e o Eduardo ainda estava o esquema Escola-cinema-clube-televisão.


Noite de um dia qualquer – 23h – Lugar qualquer:

Mesmo com tudo diferente veio mesmo de repente uma vontade de se ver e os dois se encontravam todo dia e a vontade crescia como tinha de ser. A vontade crescia exatamente como tinha de ser, por que era isso que estava escrito pra acontecer. Explicações não há para tentar delinear os acontecimentos nesse universo de paixão e desejo, tentar usar a razão pra explicar as coisas do coração, mostrou-se totalmente em vão, pois aqueles dois eram a prova viva e presente de que duas pessoas tão diferentes poderiam se completar e ser, simplesmente, uma só.

Daquele estranho momento no Bar universitário em que os dois cruzaram os olhares pela primeira vez em diante, aconteceu de tudo um pouco. Embalados pela emoção que trazia a paixão eles decidiram passar o máximo de tempo juntos, fizeram natação, fotografia, teatro, artesanato e foram viajar. A Mônica explicava pro Eduardo coisas sobre o Céu a Terra a Água e o Ar. Eduardo aprendeu a beber, mas também, cresceu muito com aquele relacionamento, foi criando maturidade e cabelos, deixou-os crescer e até decidiu trabalhar (Uoooou!) É verdade!

O tempo foi passando e aquele casal inseparável correndo atrás de suas responsabilidades e preocupando-se com o futuro e com o que viria pela frente. Eduardo passou a estudar para acabar o colégio, enquanto Mônica se preocupava em colar grau. Assim, coincidentemente ela se formou no mesmo mês que ele passou no vestibular.

Os dois comemoraram juntos, mas também brigaram juntos muitas vezes depois. Era sempre assim, como todo casal, juntos nos momentos de alegrias e tristezas, nas brigas e nas reconciliações, que é o que faz valer a pena um relacionamento. Na hora da discussão, odeio mortal, na reconciliação, amor eterno e, apesar dos pesares e dessas muitas brigas juntos, todo mundo que via, dizia que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz.

A vida continuou e os dois batalharam grana, correram atrás dos sonhos tentando uma vida melhor. Cada um conseguiu um emprego bacana e já que estavam morando juntos há algum tempo, decidiram construir uma casa maior. Isso aconteceu mais ou menos na mesma época em que os gêmeos vieram, vocês sabem né, eles precisavam de mais espaço pras crianças

Como todo relacionamento, o deles viveu tempos de crise, de altos e baixos. Mas juntos eles seguraram legal a barra mais pesada que tiveram e seguiram em frente. Sempre apoiados pelo amor e respeito mútuos, Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília e, pra dizer a verdade pra vocês, nossa amizade dá uma saudade danada no Verão, mas o pior é que nessas férias eles nem vão viajar, porque o filhinho do Eduardo esta de recuperação, puxou ao pai!

É exatamente nessas horas que eu me pergunto e, por favor, quem souber uma resposta me comunique, telefona, manda e-mail, faz qualquer coisa, mas digam: Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração, e quem irá dizer que não existe razão?