quinta-feira, 24 de março de 2011

Tempo

Tempo


Nada faz sentido e, ao mesmo tempo, tudo faz tanto sentido que espanta. De fato seria sem graça saber como tudo terminaria antes do fim. Onde ficaria a emoção da conquista, o pesar da decepção, o sabor da vitoria e o dissabor das derrotas? Como conheceríamos o que é uma coisa sem que a outra de tempos em tempos passe desfilando diante de nossos sentidos. É nesse mundo de antagonismos que experimentamos e somos experimentados a todo momento.

Talvez sejam normais dias assim. Dias em que acordamos e olhamos para trás para perceber que o tempo passou maquiavelicamente, deixando e trazendo muito mais do que cada um de nós esperava. O tempo traz, e o faz com um sorriso sádico de canto de boca, cabelos brancos, dores nas costas, uma visão que agora falha ao tentarmos ler aquelas palavrinhas minúsculas da legenda de algum filme ucraniano que nem você mesmo sabe por que foi assistir. Traz a problemática diária da vida pós-pós-adolecência e, o que é o pior, traz a certeza indubitável de que há um fim e que ele se aproxima.

O tempo (maldito tempo) traz, mas também leva com ele as dores dos corações partidos e a saudade dos que se depararam com o fim antes de nós. Leva aquela inconseqüência neófita que só a juventude é capaz de nos mostrar, que nos fazia embarcar de olhos fechados e braços abertos em qualquer aventura em busca de qualquer pitada de adrenalina que a vida pudesse nos oferecer.

O tempo (bendito tempo) mostra que o mundo é muito maior do que nossos olhos podem ver e nossas mãos podem alcançar. Ele ensina que viver, não é viver tentando dominar nossos instintos e, dominar nossos instintos, não é necessariamente uma maneira muito boa de se viver.

O tempo é senhor e senhora que devem ser respeitados simplesmente pelos cabelos brancos e a serenidade no olhar que ostentam. O tempo é professor, é pai e é mãe. Por vezes, o tempo é inimigo mortal para, logo depois, abraçar-lhe fraternalmente te guiando pelo vale das desilusões em busca do horizonte de desejos da aurora da liberdade.

Houve quem dissesse que o tempo é espaço, simplificado em fórmulas matemáticas e impresso em folhas brancas, publicado em anais acadêmicos e estudado em salas de aulas. Malditos burocratas. Houve ainda quem poetizasse e cantasse o tempo. Uns tentaram pintá-lo à óleo e outros o procuram até hoje no universo infinito de estrelas, cadentes ou não, com simples lunetas ou sofisticados telescópios. Tudo foi em vão, por que o tempo, o tempo não pára.

Há aqueles que, como eu, tentam entendê-lo. Mas descrever o tempo, parece impossível. Não por que “ele” seja complicado demais pra entender, ou por haver detalhes de menos para conceituá-lo, simplesmente por que o tempo traz consigo uma bagagem de conjunturas para as quais a humanidade ainda não esta preparada para traduzir. Ainda não inventamos palavras capazes de descrever o tempo nem temos olhos para enxergar o que o “ele” representa.

Então, continuaremos tentando entender o tempo e quebrando a cara na esperança de ver chegar o tempo em que o tempo mostrará exatamente quem ele é, para que, assim, não percamos todo nosso tempo, tentando entender o que é o tempo. Quando esse dia chegar, teremos todo o tempo do mundo para viver em paz.

Enquanto isso, que tal dar tempo ao tempo?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Estamos condenados à liberdade

Estamos condenados à liberdade. Por mais paradoxal que isso possa parecer e soar, vamos parar e analisar e, parando e analisando, teremos que concordar e aí, em concordando, teremos que encarar e aceitar a dura realidade da prisão que é sermos livres.
O ser humano vaga pelo mundo condenado a viver e sentir. Condenado a ter prazer e a gostar do que lhe é apresentado. São tantas cores, tantas músicas, sabores e valores. Para onde quer que se vire, lá está alguém te oferecendo seja lá o que for. Basta ligar a TV e as propagandas comerciais lhe apresentam um mundo infinito de oportunidades: o banco que é “feito pra você”, a cerveja que é a “boa” ou que é um “cervejão, as sandálias que são as “originais”. Pra você que é louco por carro, temos o posto de gasolina certo, como se gasolina não fosse tudo igual e, todos os dentistas já comprovaram, aquele creme dental é o mais indicado para você e toda sua família, dentes brancos e hálito puro. É tudo que precisamos, sem dúvidas.
E pra quem já achava que viver é demais, o problema não pára por aí. Abram seus e-mails e preparem-se, vocês estão prestes a entrar em um mundo de doces delicias, mas com o prazo de validade expirado. São fotos das mais belas modelos nas mais diversas posições degradantes com os mais diversos títulos e abreviações. Além das belas, tem as feras. Arquivos com vídeos incríveis repassados para toda uma rede social de amigos virtuais que nunca se viram nem se encontraram no mundo real e, caso se isso acontecesse, aposto que fingiriam que não se conhecem. Notícias de golpes armados pelas quadrilhas de sua cidade e conselhos de como se defender. As mais belas paisagens do mundo também estão lá, a dois cliques de seus olhos e sentidos e, quando achávamos que isso era tudo, doce ilusão, pois até mesmo o tamanho do seu pênis entrou na discussão.
Não sei em que época da história humana viver passou a ser um martírio social. Individualmente não se pode mais sofrer. Todos acham uma aberração e te obrigam a se entupir de Prozac. Individualmente não se pode mais querer viver, encarar o mundo sozinho de uma esquina de sentimentos qualquer ainda não virou crime, mas é anti-ético. As pessoas irão lhe apontar dedos e dizer que você é louco ou que está bebendo, e qualquer coisa que você dissesse, seria desmentido, vão falar que você usa drogas e diz coisas sem sentido. O mundo social priva as pessoas de serem individuais, de se acompanharem delas mesmas e, o que é pior, as obriga a ter prazer. Todos devem praticar um esporte e ir para as baladas mais “loucas”. Consumir não é mais uma necessidade, mas uma obrigação. A moda virou o moinho do mundo.
As boas leituras, quase esquecidas e renegadas a uma minoria renegada pela sociedade, criam poeira nas prateleiras do mundo. As boas músicas e os bons filmes, ouvi-los e assisti-los é quase um exercício clandestino de um membro de um clã perseguido pelo poder posto. Tentar apresentar essa qualidade de arte para o senso comum seria como jogar pérolas aos porcos, eles não saberiam o que fazer.
Assim, tudo o que nos resta é tentar seguir a lógica do filme já começado, aquele que você chega na sala, senta no sofá, liga a TV e percebe que o mocinho já conheceu a mocinha e estão fugindo, sabe-se lá de que ou de quem. Então você se encosta confortavelmente, pega a pipoca e tenta imaginar o começo de tudo aquilo, mas com uma certeza: O final será feliz. Será?