terça-feira, 19 de julho de 2011

Eu devia estar dormindo


Eu devia estar dormindo

Eu devia estar dormindo. Olho pela janela e o silêncio tranqüilo da noite acusa que o mundo dorme. Janelas entreabertas deixam escapar fiapos de histórias de seus habitantes, ruídos de conversas e traços de sonhos inacabados e meio escritos em meio ao universo de cores, mesmo que em preto em branco. As ruas desertas parecem me convidar a sair vagando pela penumbra procurando achar, seja lá o que for. Seja o desconhecido que desfila diante dos olhos ou o bom e velho paradoxo de emoções que não se explica, que não se pode ver, só sentir. Que levanta o fiapo de cabelo, que esfria a espinha, que arranca lágrimas, que isso, que aquilo e nada mais importa.
Eu devia estar dormindo. Tento ouvir o silêncio, mas é em vão. Grito! Mas tudo que escuto são algumas doces vozes:  "calar a boca!!!" cheias de amor, por que eu prefiro ver assim. O amor, dizem, está subestimado. Aos céticos olhos cientistas, nada que uma caixa de chocolate não possa resolver. O bombardeio hormonal no cérebro é o mesmo, a sensação é a mesma, mas cadê os suspiros? Onde estão as lágrimas? Quantas histórias o chocolate já escreveu? Quantos Romeus e quantas Julietas? Quantos homicídios pacionais? Quantas intrigas e planos maquiavélicos? O chocolate não tá com nada, no máximo alguns Coelhinhos, e na páscoa! Por isso, devia aproveitar o silêncio da noite e sair em passeata , mesmo que sozinho, pelas ruas semi-desertas. Pelo amor!
Eu devia estar dormindo. Nos braços de Morféu encontraria a viagem oculta em cada sonho e acordaria, com o sol. Lembrando de partes de uma viagem só não tão psicodélica quando comparada à inebriante sensação causada pela explosiva mistura de vinho doce e barriga vazia. Eu podia estar caindo, podia estar voando ou podia estar a assistindo aos Beatles no mágico ano de 1967. Eu podia estar no México, é julho de 1970 e o Carlos Alberto acaba de marcar o quarto gol contra a Itália. Um chutaço,  lindo! Eu podia, mas não estou.
Eu devia estar dormindo. Ao meu redor todos dormem, até o cachorro. Principalmente o cachorro. Pensando bem, que vida tem o cachorro. Não faz nada, nem precisa. Tem casa comida e roupa lavada (Roupa???) e tudo que ele precisa fazer é ter um monte de amor pra dar, e ele tem, sempre. Basta ouvir o barulho fantástico das chaves girando a fechadura e pronto. Lá esta ele com o rabo balançando, pulando feito doido de um lado pro outro, o Chorro só quer atenção. Sim, Chorro é o nome dele, fica mais fácil de lembrar e difícil de confundir, na hora de chamá-lo, basta gritar: Vem Cá, Chorro!!!
Eu devia estar dormindo. As letras no teclado do computador já começam a se misturar. Vejo o “A” e o “S”, antes vizinhos inseparáveis, em uma árdua e melancólica discussão gramatical. O “p”, pê da vida com o “q”, não sabe por que, mas tenta convencer o “v” a vê melhor o que o os irmãos “m” e “n” estão armando. Uma revolução na escrita que não vai deixar espaço nem pra barra de espaço. "Abaixo à pontuação!" Eles gritam. Não mais vírgulas ou pontos, sejam de exclamação, interrogação ou mesmo, pasmem, reticências. Nessa historia toda, só quem não sabe ainda como se posicionar é o “ç”, que ainda não decidiu se é letra ou pontuação. Sem preconceitos! E respeitemos as diferenças.
Eu devia estar dormindo. Definitivamente.
Talvez eu esteja dormindo.

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