quinta-feira, 15 de setembro de 2011

CREEP


CREEP
Oito anos atrás.
Gui, aquele garoto quase tão desengonçado quanto uma folha de papel largada ao vento, esquisito com um peculiar jeito de olhar as coisas ao seu redor, olhava as coisas ao seu redor, sem se dar conta de como as coisas ao seu redor pareciam cada vez mais andar em círculos, sem chegar à lugar nenhum.
Do auge de seus 23 anos de idade e do alto de seu infinito particular, esperava que o estranho mundo que orbitava sua mente se transformasse a cada dia em algo novo, em algo maior, difícil de descrever, cheio de cores que se encontram e parecem dançar as voltas do relógio e de sua mente inebriada pela sensação inebriante que um vinho barato e um cigarro no cinzeiro podem causar, mas nada acontecia.
Gui amava, ou pelo menos, achava que sim. Havia conhecido Bela, uma bela garota de cabelos  vermelhos e olhos azuis em um belo dia de outono, com as folhas caindo das árvores, seus cabelos caídos no rosto ao cair da noite, na beira do cáis.
Bela, com suas belas mexas vermelhas, tinha idade suficiente para amar, e amava, ou pelo menos achava que sim. O tempo que eles demoraram para conhecer o peculiar de cada um, cabia no tic-tac apressado do relógio de pulso de Bela e não dava mais do que 7 voltas inteiras e um quarto e, dentro do quarto de hora que se entregaram ao amor, em um quarto de hotel largado, tudo pareceu mágico, surreal e impossível de entender, descrever ou permanecer. Ser para sempre talvez não fosse uma opção, pelo menos, não naquele momento. E o tempo passou.
Oito anos depois.
Gui olhou e desviou, ou pelo menos tentou desviar o olhar, mas foi em vão. Desviara, ou pelo menos havia tentado desviar o olhar para fugir do olhar de Bela, que o olhava e esperava uma reação. Não que Gui precisasse fugir, mas sua timidez não o permitia encarar. Oito anos haviam se passado e o tempo, impiedoso que é, havia tatuado à ferro quente em sua memória a imagem do que se foi e nunca mais voltou.
Bela olhando, esperava e, esperando, cansou de esperar uma reação de Gui, era é vão. Tomou a atitude que esperava do já não tão jovem garoto e aproximou-se. O silêncio ensurdecedor que pairou sobre o local durante aqueles infinitos três segundos foi o suficiente para ruborizar a face do já não tão jovem, porém ainda muito tímido rapaz.
Oito anos haviam se passado e o tempo que todos esses dias podem representar, nem de perto representavam a realidade do que tinha se passado durante aqueles dias, era muito mais uma questão de intensidade do que propriamente de tempo decorrido. As páginas que foram viradas nos calendários da vida, não expressavam a vontade de querer que martelava a cabeça da bela Bela durante todos esses dias que construíram lentamente aqueles anos. Tantas eram as perguntas e indagações. Eram tantos os “porques”, que qualquer “talvez” que pudessem brotar não seria suficiente para justificar, nem muito menos, para explicar.
Bela aproximou-se de Gui, tão bela quanto antes, mas antes que pudesse dizer alguma coisa foi interrompida pelo olhar penetrante do garoto que parecia querer dizer: “Quando você esteve aqui antes, eu não pude te olhar nos olhos.” Não era culpa apenas daquela desengonçada falta de malícia do garoto, era muito mais que isso. Enquanto seu corpo falava da vontade de estar com ela com todas as letras possíveis de serem ditas ou escritas pelo corpo humano, sua coragem escondida no fundo do seu âmago, por detrás de uma montanha intransponível de timidez, impediu que ele se manifestasse. Lastimável.
O garoto sabia e parecia querer dizer, mas não era capaz. Na sua mente ele escutava como se tivesse falando para ela: “você é como um anjo, sua pele me faz chorar”, mas ele não conseguia falar. Não era apenas como se ela flutuasse como uma pena em um mundo bonito, onde os ventos que movem os moinhos são os mesmos que remexem os belos cabelos ruivos de Bela. Ele queria ser especial, pois ela era tão especial.
Mas na verdade, o que o garoto tinha absoluta certeza era exatamente as palavras que ele repetia para si mesmo durante todos esses anos, oito anos para ser mais exato. Ele sabia que era estranho, sabia que era esquisito e não tinha absoluta certeza do que estava fazendo naquele lugar, na verdade, de absoluta, só a certeza de que ele não pertencia àquele lugar. Ele pensava e, pensando, repetia para si mesmo: Eu sou estranho e esquisito. O que diabos estou fazendo aqui? Eu não pertenço à esse lugar!
Mas agora, a ainda mais bela Bela estava ali, parada diante dele e esperando. Mas o que dizer?
Alguem pode ajudar?